Nova gramática do português contemporâneo – Celso Cunha e Lindley Cintra
Fichamento de Alberto Cunha
Última atualização: 18 de abril de 2024
Nova gramática do português contemporâneo (1) – Celso Cunha e Lindley Cintra
Prefácio
A obra surgiu como fruto de uma urgente necessidade para o ensino da língua portuguesa em todos os países em que se estuda esse idioma. Parecia, aos autores, faltar uma obra que levasse em conta as diversas normas vigentes dentro do vasto domínio geográfico onde se fala português;
A obra caracteriza-se por descrever a norma culta do português desde o período dos autores do Romantismo, sem deixar de lado os empregos e valores afetivos da linguagem coloquial;
A obra se preocupa em trazer a “superior unidade da língua portuguesa dentro de sua natural diversidade”(2) geográfica, valorizando os meios expressivos do idioma.
Advertência
A edição que se lê da obra conta com um capítulo intitulado “Do Latim ao Português”, capaz de trazer reflexões geopolíticas, sociais, culturais e, sobretudo, históricas acerca do idioma.
Nota do Editor
O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 teve como objetivo unificar a ortografia do português, para o uso de todos os países que o adotam como língua oficial. Na obra, há um guia rápido e simplificado das mudanças que afetaram o português brasileiro;
São as mudanças: (i) o alfabeto passa a ser acrescido das letras k, w, y; (ii) ao utilizar os sufixos –ano e –ense, se a palavra termina com um i que pertence ao tema, ou um e átono, escreve-se iano (p.ex. Acre – acriano; ou Guiné – guineano ou guineense); (iii) em paroxítonas, deixa de haver acento agudo em ditongos abertos tônicos (p.ex. ideia, joia, epopeia), bem como o acento circunflexo de paroxítonas terminadas em ôo e êem (p.ex. voo, abençoo, veem, leem), e os acentos gráficos na diferenciação de paroxítonas delas homógrafas também caem (p.ex. para, pelo, polo), da mesma maneira com os acentos em i e u, em paroxítonas, que antecedem ditongo (p.ex. feiura, baiuca); (iv) cai o acento agudo no u nos verbos arguir e redarguir (p.ex. arguo, argui, redarguem, redarguam); (v) em verbos terminados em –guar, –quar e –quir, cai o acento agudo no u, sendo facultativo na sílaba anterior (p.ex. averiguo ou averíguo, delinquo ou delínquo); (vi) deixa de ser utilizada a trema (p.ex. frequência, tranquilo); (vii) o hífen é utilizado em palavras cuja natureza nominal, adjetival ou verbal compõem uma unidade sintagmática e de significado (p.ex. conta-gotas, primeira-dama, mato-grossense), bem como nos topônimos, em nomes cujo primeiro artigo é verbal e quando os elementos ligam-se por artigos (p.ex. Grã-Bretanha, Todos-os-Santos), e também nas espécies botânicas e zoológicas (p.ex. couve-flor, bem-te-vi, leão-marinho), assim como nos encadeamentos vocabulares (p.ex. Rio-Niterói, Alsácia-Lorena), mas não se usa quando a noção de composição se perdeu (p.ex. girassol, pontapé, paraquedas, passatempo), e em locuções (p.ex. café da manhã, cor de vinho, ele mesmo, à vontade, por meio de, no entanto), salvo exceções consagradas pelo uso (p.ex. água-de-colônia, arco-da-velha, cor-de-rosa, mais-que-perfeito, pé-de-meia, ao deus-dará, à queima-roupa); (viii) usa-se hífen, geralmente, se o segundo elemento de uma palavra composta começa com h (p.ex. super-homem, mini-habitação), a não ser que haja uso de prefixo des-, in-, co– e re– (p.ex. desumano, inabitável, coerdar, reabilitar); (ix) o hífen ocorre quando o prefixo termina com a mesma vogal que o segundo elemento (p.ex. anti-inflacionário, tele-educação), com as exceções dos prefixos co– e re– (p.ex. cooptar, coobrigação, reeleição, reerguer), porém quando ocorrer um dos prefixos circum– ou pan-, seguidos de elemento que comece com m, h, n ou vogal, usa-se hífen (p.ex. circum-navegação, circum-meridiano, pan-americano); (x) se o prefixo terminar em consoante, usa-se hífen se o segundo elemento começar por r ou h (p.ex. super-radical, hiper-requintado, super-homem), mas caso o segundo elemento começe por vogal ou consoante diferente de r ou h, e o prefixo tenha terminado em consoante, não temos o hífen (p.ex. sublinear, interativo, interlocução), agora, terminado o prefixo com vogal e o segundo elemento começado com r ou s, perde-se o hífen e duplica-se a consoante r ou s (p.ex. ultrassom, ecossistema, minissaia, semirreta), similarmente ao que ocorre com prefixo terminado em vogal e segundo elemento iniciado em vogal ou consoante diversa de r ou s, porém, sem a duplicação (p.ex. copiloto, autoescola, autoimune); (xi) com os prefixos e falsos prefixos ex-, sota-, soto-, vice-, vizo-, pré-, pró– e pós– sempre usa-se hífen, bem como antes dos sufixos –açu, –guaçu e –mirim (p.ex. pós-graduação, vice-prefeito, ex-namorada, cajá-mirim, cipó-guaçu).
Introdução – Conceitos gerais
Linguagem, língua, discurso, estilo
Linguagem é o conjunto complexo de processos que permite a aquisição e emprego concreto de uma língua qualquer. Há linguagem se é atribuído um valor convencional a um determinado sinal;
Língua é um sistema gramatical que expressa a consciência de uma coletividade; é o meio pelo qual se concebe o mundo. Está em perpétua evolução;
Discurso é o ato de executar individualmente uma língua. Aqui, temos uma oportunidade de escolha das formas de enunciado que melhor exprimem o gosto e pensamento de quem realiza o discurso. Tal abertura é o que se chama de estilo;
Linguagem, língua e discurso estão entrelaçados, e distinguem-se por motivos metodológicos.
Língua e sociedade: variação e conservação linguística
Desde o início do século XX, linguistas como Antoine Meillet e Ferdinand de Saussure abordam a língua como “fato social”, o que se enquadra rigorosamente na definição de Emile Durkheim. Foram, porém, nos últimos vinte anos que a sociolinguística veio demonstrar a grande complexidade de tais inter-relações;
Poder-se-ia perguntar: é a sociedade que molda a língua ou o contrário? Em geral, comprova-se uma covariação do fenômeno linguístico e social. Outras vezes, a influência é unidirecional;
A ideia de língua como social, maleável e diversificada é recente. Nesse sentido, uma língua histórica não é unitária, mas um conjunto de sistemas linguísticos, ou um diassistema (3). Hoje, a variação sistemática está incorporada à teoria e à descrição da língua e, finalmente, esclareceu polimorfismos e pluralidades de normas, por exemplo;
Uma língua apresenta, ao menos, três variações internas: i) diatópicas, referentes à diferenças no espaço geográfico; ii) diastráticas, referentes às diferentes camadas socioculturais; e iii) diafásicas, referentes à diferenças na modalidade expressiva. As variações ocorrem em todos os níveis: fonético, fonológico, morfológico, sintático e etc sem prejudicar as suas condições funcionais;
A língua padrão, entre as outras que compõem o diassistema, é a mais privilegiada, atuando como ideal de uma comunidade. Ela exerce, perante às demais, uma função coercitiva que atua como força contrária à variação.
Diversidade geográfica da língua: dialeto e falar
Dialeto pode ser o nome dado a uma forma característica que uma língua assume regionalmente. Segundo alguns linguistas, contudo, dentre as variedades diatópicas, difere-se o dialeto do falar;
Partindo para a distinção suscitada, tem-se que o: i) dialeto é um sistema de sinais desgarrado de uma língua comum que não alcança a categoria de língua; enquanto ii) falar não alcança o grau de coerência do dialeto, sendo apenas a peculiaridade expressiva própria de uma região;
Dentre os falares regionais, pode-se distinguir, ainda, o falar local, que é aquele cujo uso está limitado a uma pequena circunscrição geográfica.
(1) CUNHA, Celso Ferreira da, 1917-1989. Nova gramática do português contemporâneo / Celso Ferreira da Cunha, Luis Filipe Lindley Cintra. – 7. ed. – Rio de Janeiro : Lexikon, 2016.
(2) Idem. Pág. XXIV.
(3) Em um diassistema, se interrelacionam diversos sistemas e subsistemas.