A Metáfora Crítica — João Alexandre Barbosa

Fichamento de Alberto Cunha

Última atualização: 27 de fevereiro de 2023

1) Exercícios de definição

1.1) Poema, metáfora e realidade

– O poema é uma experiência linguística e objeto/invenção;
– As estratégias de articulação conduzidas pelo poema o fazem uma máquina de linguagem, isto é, uma coisa que não é meramente representação;
– Por força das relações estabelecidas no espaço do poema, os objetos ali representados se transformam e são capazes de construir espaços poéticos;
– A existência da metáfora indica a inviabilidade da ideia de pura designação. A metáfora é o sinal de que o poema incorpora espaços inusitados, cujas coordenadas só podem ser verificáveis a partir das vinculações estabelecidas no espaço do poema;
– Há, no poema, portanto, uma duplicidade de espaços, sendo esta uma de suas marcas;
– Há um espaço que exprime uma noção de representação, no qual a leitura e a experiência se traduzirá, adequando as palavras e os objetos que se inscrevem no real do leitor. Há, também, um espaço de presentificação, que, independente da tradução possível, é o próprio poema. Estes dois espaços se relacionam na experiência concreta do poema;
– Ler o poema é vincular os espaços construídos a partir da existência do texto. Para chegar à representação, é preciso decifrar adequadamente a presentificação;
– A leitura do poema sempre persegue algo que lhe antecede (2), que é a intenção do poema (3); e a ideia de intenção do poema marca os limites da leitura: (i) decodificação dos elementos textuais, como símbolos, metáforas e mitos; e (ii) técnica de articulação destes elementos;
– O significado do poema não está em um lugar além do texto, mas em seu próprio jogo de linguagem. O significado do poema é anterior à significação do real para a qual ele aponta (4);
– O poema instaura a realidade dentro dos limites do seu espaço de construção;
– A análise filológica na representação só é possível se, concomitantemente, se utilizar do conceito de realidade linguística;
– Como categoria linguística, a realidade exige, para ser decifrada, o conhecimento de seu modo de elaboração, isto é, do mecanismo de seus elementos constituintes. Não se trata de negar a realidade não-linguística, mas de assumir uma perspectiva viável de análise;
– A ideia de literariedade não exclui a de realidade. A forma sempre sofre, operacionalmente, uma redução, para incluir elementos de conteúdo. Na verdade, a literariedade é dependente da redução da forma à estrutura (5);
– O estruturalismo é um ponto de vista metodológico, e não se confunde com uma teoria, ou um método. Conforme este ponto de vista, cada conceito num dado sistema não tem significação por si mesmo; são determinados pelo lugar que se inserem no sistema, isto é, na estrutura a que integram. É uma síntese da ciência do Romantismo (6) e da perspectiva empírica, positivista (7): há sempre uma inter-relação entre os fatos e as suposições filosóficas, não uma dependência unilateral;
– No estruturalismo, o material estudado opera uma mudança também no procedimento científico. A estrutura global é mais importante do que a soma mecânica de das propriedades de seus componentes; ela dá origem a novas qualidades. O estruturalismo exige o uso de uma linguagem de integração em que cada elemento explica e seja explicado pelo conjunto;
– Este ponto de vista proposto, contudo, não se encerra na explicitação do que o texto encerra. Propõe-se a busca pela realidade do texto, isto é, o modo de vinculação e realização dos espaços real e poético (8). Indaga-se: quais são os níveis de convergência de conteúdos e formalizações que sustentam a construção do texto;
– A metáfora não somente afasta a ideia de pura designação, como questiona a própria definição de realidade, uma vez que proporciona uma formalização diferente de significados semelhantes (9);
– Seja nos esquemas nominalistas ou realistas, ambos que assumem a pré-existência do objeto que se pretende relacionar com a realidade, a tarefa interpretativa sempre está esgotada no momento em que realidade e poema estão postos. Contudo, o poema como objeto de captação de aspectos novos da realidade, já é instaurador do real – através da criação poética;
– Como objeto estético, o poema exige certa intransitividade na relação do real com o poético. A questão, então, não é somente interpretativa, mas também crítica: qual é o limite desta intransitividade (10) que deve ser respeitado para que não se rompa com o fino tecido do poema, transformando-o em um repositório de significações?
– Um dos limites é a historicidade do poeta; outro, é a condição do leitor. Trata-se de duas condições situacionais através das quais a articulação entre significado e significação do poema é realizada;
– De um ponto de vista interpretativo, é possível investigar o sistema de significados que o poema inclui sem referência às significações para as quais aponta. Não se pode dizer o mesmo de um ponto de vista crítico, pois ele visa precisamente à articulação entre as esferas do significado e significação;
– Terão influência as condições situacionais do leitor e do poeta, pois significação é sempre significado-para e nunca significado-em (11).
– A negação da transitividade aponta para o poema como máquina de linguagem; a negação da intransitividade é o limite do poema como sistema articulador de experiências;
– A classificação do poema em gêneros estabelece um horizonte para seu significado, mas decorre de uma preocupação focada numa acepção de significado rigorosamente hermenêutica (e não poética, que está ligada a criação de novos valores da linguagem) (12);
– A leitura em um contexto estético possibilita uma percepção mais enriquecedora;
– Certas características espaciais do poema (organização contextual) podem indicar caminhos para a interpretação (13);
– A realidade de um poema é uma realidade de linguagem. O poema transita no espaço de linguagem que o enforma e é, ao mesmo tempo, por ele informado;
– Não é a explosividade emotiva que orienta a determinação lírica do poema, por exemplo; é a instauração de uma linguagem orientada para a autonomia que possibilita a construção da qualidade emotiva (implosiva, e não explosiva);
– A redundância pode ser elemento portador de informação estética, na medida em que a repetição dá existência ao objeto repetido. Ao guiar a percepção para o déjà vu, a redundância, num processo de autoconsumo da linguagem, é capaz de criar um sistema de relacionamento que ultrapassa o nível semântico, abrindo uma perspectiva de percepção nova, criativa, poética;
– A própria metáfora, por um movimento de saturação, pode perder o seu valor original de mediação entre realidades. Assim, funcionaria, ela mesma, como procedimento estético (enquanto sistema auto-orientado), correndo o risco, contudo, de um ganho em resistência linguística, isto é, uma perda em nomeação, com a potencialidade simbólica ficando limitada ao contexto intralinguístico (14);
– Está em Baudelaire (meados do século XIX) a primeira manifestação moderna de saturação metafórica. A inadequação entre linguagem e mundo era resolvida através da viagem (ou a morte), sendo a partilha existencial o momento para um novo mundo. A metáfora aparece, então, como um artifício – um recurso retórico através do qual o mundo revela somente a face nova, vencida pela linguagem do poema. Não se quer descobrir o mundo, mas recobri-lo;
– Três exemplos: (i) Baudelaire, que retoma a imagem do cisne (preso e incapaz de voo), como servindo de mediação entre a poesia e o poeta prisioneiro das contingências, no esquema “saturação-individuação”; (ii) Corbière e Laforgue que adentram o campo do coloquialismo e antepoesia (a negação como meio da realização; resta dito o que sobrou das oposições); e (iii) Mallarmé, que transforma a metáfora romântica do cisne em um comentário intrínseco do poema, transformando-o em consciência de uma ciência exilada: a própria linguagem;
– O poema se instaura – ganha significação – através da fresta que se abre entre a metáfora e a sua recuperação “falida”, dando um significado mais puro às palavras;
– Nesse movimento, as relações entre o poeta e a realidade não se dão somente através do poema, mas por sua mediação. A significação não se dá fora do texto: a discussão interna é que confere sua validade. E tal discussão não se atenta ao valor tópico do texto, mas ao seu valor estético (15);
– Assim como a redundância vocabular pode configurar um espaço poético, a saturação metafórica, dentro do contexto de uma “tradição”, pode indicar um contexto poético que perdure para além de sua aceitação. Neste sentido a ideia de que o poema instaura palavras destinadas à inanição: os valores postos em jogo estão historicamente situados (entre eles, os valores da linguagem). Não somente o leitor está situado, como o próprio texto que lhe serve de sustentação (16);
– O significado de um poema é obtido em um salto imposto pela diacronia do texto, sincronicamente, ou seja, pela desmontagem de sua sintaxe figurativa. A figura só é completa relendo a codificação do poema em termos de metalinguagem (17), e não linguagem-objeto;
– A metalinguagem ocorre desde que o poeta, não abdicando de sua condição, através da linguagem, não procura algo para além daquilo que a linguagem é capaz de dizer num espaço historicamente compreendido.

Notas:
(1) BARBOSA, João Alexandre. A metáfora crítica. Coleção Debates: vol. 105. Editora Perspectiva: São Paulo, 1974.
(2) Não se trata de anterioridade ao texto, mas à leitura.
(3) Não confundir com a intenção do poeta.
(4) Significado e significação aqui apresentam-se com sentidos distintos: “(…) significado do poema, alvo da leitura, é, tautologicamente, o poema enquanto articulador dos espaços real e poético; significação do poema é o segmento da realidade que ele incorpora, aclara e intensifica através da nomeação linguística. (…) mas a incorporação e a intensificação se dão na medida mesma em que a articulação se realiza” (págs. 11-12).
(5) Apesar desta dependência, a noção de literariedade preexiste às formulações estruturalistas.
(6) A ciência do Romantismo realiza novo conhecimento por dedução de seu sistema filosófico que a posteriori classifica e avalia os fatos.
(7) A perspectiva empírica, positivista, constrói sua filosofia a partir dos fatos que estabeleceu empiricamente.
(8) Ideia de texto como sistema de convergência; a duplicidade como sua marca.
(9) Negar a vinculação entre a formação das metáforas e o esforço humano de apreensão da realidade é tratá-la como elemento desligado de um sistema mais amplo, que apenas integra um repertório de tropos esvaziado de significações relacionais.
(10) “(…) a noção de intransitividade é sobretudo um a priori que permite o controle da experiência do poema pelo leitor, assentando limites razoáveis de decifração” (pág. 19).
(11) Mesmo quando a relação entre o significado verbal do humano e o que está fora dele pertencer ao próprio autor ou a seu assunto.
(12) Isso faz com que o significado deixe de ser obtido num contexto estético (onde é possível a criação de novos valores), sendo dado estritamente numa acepção literal.
(13) “(…) é possível afirmar a existência de uma organização contextual dada não apenas pelos referentes mas pelo que as palavras terminam por dizer num espaço, numa estrutura, que já não se define senão em termos de relacionamento” (pág. 21).
(14) Ver: A desmontagem da metáfora utilizada funcionando como recurso de articulação entre a construção do texto e a realidade ali apontada, em João Cabral de Melo Neto.
(15) Por isso se afirma que “o exercício metafórico não é mais apenas uma vinculação entre realidades anteriores, dando resultado a uma nova: no conjunto do texto, a metáfora é a realidade sobre a qual se discute em termos de poema. E, para sua discussão, importa tanto nomear quanto sugerir, desde que não é de uma possível aura que o seu efeito surge, mas de sua própria relevância enquanto componente estético do texto” (pág. 25).
(16) Em Mallarmé, a saturação metafórica acaba por ser saturação histórica: somente através do trânsito diacrônico é que a intransitividade se revela no próprio espaço de reflexão poética acerca dos valores da linguagem que se utiliza.
(17) A ideia de realização textual como atividade metalinguística através da consciência histórica que obriga à reflexão acerca dos valores postos em jogo. “Ou, se se quiser, a permanência dos valores da linguagem enquanto instrumento hábil de captação da realidade experimentada pelo poeta” (pág. 26).


1.2) Persistência da Linguagem

– É o próprio tecido de tensões internas que explica a existência do poema;
– Em certos casos, a existência do poema se traduz em desistência da lírica (por exemplo, Rimbaud e Lautréamont), o que foi chamado de involução da linguagem poética moderna por Jean Cohen. No mesmo sentido, afirma Hugo Friedrich que os poetas modernos são melhores descritos por categorias negativas, e não positivas: a ambição máxima de Mallarmé, segundo Maurice Blanchot, era criar uma linguagem de ausência; uma linguagem na qual as palavras negassem os objetos, ao invés de designá-los;
– Joseph Frank, que também buscou compreender a realidade do poema moderno, o caracterizou pelo “princípio de referência reflexiva”, na qual a referência primária das palavras é algo de dentro do próprio poema (18);
– Verifica-se a paródia, citação erudita e o pastiche como maneiras de desvencilhar-se, através da saturação, da historicidade da perspectiva do poeta;
– A autorreferencialidade do poema moderno, “rastreada em relação com” (19) a crescente consciência da linguagem, ou autoconsciência, está limitada pela “impureza” da linguagem poética – inclusive em um sentido formal. Tal impureza é explicada pela forma que apreendemos a linguagem, que é tanto histórica e coletiva, como individual (20);
– O verdadeiro poeta inventa um novo tecido de relações, até ele inexistente. A partir de certa coletividade (ou tribo), reinventa-se o sentido da linguagem (21);
– Na terminologia de Roman Jakobson, “poesia da gramática”, verifica-se a insistência em revelar interdependentes: (i) a liberdade do poema; e (ii) sua vinculação ao código de determinada língua.
– Refletir acerca da autorreferencialidade presente no poema moderno é pensar em termos de linguagem, ou em “função poética da linguagem”, como está em Mukarovsky, Jakobson e Bierwisch;
– Para Mukarovsky, o subject matter possui uma dependência interna com a estrutura dinâmica poética, insistindo, portanto, no componente semântico da obra enquanto elemento de estruturação (22). O que é “impureza”, para Eliot, aparece integrada no processo de instauração do texto poético (23);
– Mukarovsky, no contexto de uma “função poética”, afirma, ainda, que não há estrutura estética fora da poesia, pois ela é realizada na medida em que o aktualisace (termo que designa a ideia de “primeiro plano”) é percebido como elemento de articulação dos elementos componentes do texto de linguagem que é o poema;
– É a dependência à estrutura que confere ao aktualisace sua validade enquanto marca estética. Assim, é possível incluir numa concepção do poema fundada na linguagem a reflexão sobre a distorção da “norma estética pertinente”;
– O alcance das reflexões de Mukarovsky permite uma “abordagem da evolução das formas poéticas sem que seja necessário recorrer a significados de ordem histórico-cultural, queimando, como é frequente, a etapa fundamental de uma indagação linguística” (24);
– A distorção dos componentes linguísticos de uma obra distingue, para Mukarovsky, os três tipos de criadores literários de sua época entre aqueles que: (i) distorcem absolutamente os componentes linguísticos da obra subordinando a distorção ao assunto, conferindo tonalidade vulgar ao seu léxico, a fim de caracterizar personagens e situações; (ii) distorcem os componentes, porém neles e por si mesmos, subordinando o assunto à deformação linguística; e (iii) não distorcem, o que não deixa de ser um fato da estrutura total da obra;
– Estabelece-se uma dialética entre a existência de um cânone estético tradicional e a norma da linguagem-padrão. Uma nova direção, em poesia, é notada pela crítica conservadora como uma distorção do cânone, e até mesmo um erro contra a essência da poesia;
– Através deste instrumental, oferecido por Mukarovsky, partindo de uma definição linguística dos relacionamentos propostos pela obra poética, é possível compor um quadro crítico que absorve componentes sincrônicos e diacrônicos de articulação da estrutura do texto literário;
– Quando se pensa em “texto conotativo”, quase sempre a observação leva em consideração uma análise semântica. Contudo, esquece-se da ambiguidade sintática;
– A dicotomia a se insistir não é a conotativo-denotativo, para verificar a presença de um texto poético – isto é, inventivo pela linguagem –, mas sim a dicotomia poesia-prosa;
– A função poética não se extrai apenas da singularização do processo linguístico utilizado, mas sim de como ela está relacionada a um contexto de ordem estética, “sem o qual o estudo do elemento em primeiro plano seria linguístico mas não poético” (25);
– A noção de poeticidade do texto literário como dependente da noção da função exercida pela linguagem foi sistematizada por Roman Jakobson em diversos textos. Para ele, a Literatura não se ocupa de Literatura, mas da literariedade, isto é, a reflexão sobre o que faz uma dada obra uma obra literária;
– Tal noção de poeticidade é entendida como um componente textual que transforma os demais elementos e, com eles, determina o conjunto. Esta dinâmica acaba por configurar o sistema de relações polivalentes que é o texto, portanto, incluindo elementos de conceituação que transcendem o horizonte especificamente linguístico;
– Para compreender a noção de “estrutura”, em Jakobson, é preciso compreender literariedade e autonomia.
– A poeticidade se manifesta quando as palavras, sua sintaxe e significação, forma externa e interna, possuem seu próprio peso e valor, sem que sejam índices indiferentes da realidade. O signo não se confunde com o objeto: “ao lado da consciência imediata da identidade entre o signo e o objeto (A é A1), a consciência imediata da ausência desta identidade (A não é A1) é necessária” (26);
– O princípio de autonomia do signo poético, através do qual é possível determinar o índice estético do texto, é afirmado cautelosamente por Jakobson: (i) as palavras não são índices indiferentes da realidade; e (ii) entre o signo e o objeto, há a antinomia presença/ausência;
–  A função poética não só vincula fatores e funções da comunicação verbal, como a faz “dependente do próprio modo de vinculação” (27);
– As reflexões de Jakobson permitem uma compreensão mais adequada da realidade instaurada pelo poema moderno, tornando viável as discussões acerca de textos em que a sua construção está assentada na reflexão sobre o próprio código utilizado pelo poeta;
– Ao categorizar linguisticamente a função metalinguística, Jakobson legitima a inclusão da metalinguagem no quadro das funções da linguagem, bem como a ideia da “articulação entre as funções para uma apreensão estrutural do poema” (28);
– A função metalinguística, como se viu em Mallarmé, é uma das formas pelas quais o poeta moderno escapa do esgotamento da representação da realidade. Aliás, é por meio do “desempenho metalinguístico da linguagem” que a passagem entre os significantes é possível na perspectiva do leitor (29);
– Dessa maneira, a realidade só se legitima poeticamente na medida em que a linguagem é “exaurida em suas possibilidades representativas” (30);
– No poema moderno, centrado na autorreferencialidade, a oposição denotação-conotação perde o sentido. O desempenho “conotativo” metalinguístico não ocorre em referência a uma linguagem repertorial, mas a uma outra linguagem consumida, na medida em que é nomeada ou denotada. Por sua vez, o desempenho “denotativo” não é dado em função de uma experiência extralinguística, mas pela transformação do “conotativo possível” em conteúdo/assunto/tema do próprio poema, isto é, sua “impureza” (31).

Notas:

(18) “A afirmação de Frank fundamenta-se na experiência contemporânea dos poemas de T. S. Eliot e Ezra Pound, sobretudo, em que a perspectiva do poeta é consumida pela paródia, pela citação erudita, pelo pastiche, pela montagem, através dos quais procura desvencilhar-se, por um movimento de saturação, da historicidade de seu métier” (p. 29).
(19) Pág. 29.
(20) O argumento de T. S. Eliot associa a impureza do poema a uma ideia conteudística, o que é uma “desnecessária torção” na visão de João Alexandre Barbosa, autor da obra em análise. Segundo Barbosa, “ao passar de uma consideração rigorosamente formal, quando fala de ‘crescente consciência da linguagem’, para um plano de reflexão conteudística em que, por não ser possível atingir o objetivo da poésie pure, haveria o poeta de render-se ao domínio da ‘impureza’ de conteúdo. Entretanto, se se pensa mesmo em termos de ‘consciência da linguagem’, não é preciso fugir do campo de reflexão formal para que se tenha, em grande parte, explicada a vinculação ao ‘impuro’ que limita a linguagem do poeta” (págs. 29-30).
(21) “Que esta nova tessitura venha a constituir-se numa nova gramática da poesia, como sempre tem ocorrido com os novos tecidos que resultam de um aprofundamento dos limites da linguagem da época em que se inscreve o criador, em grande parte se explica, para usar da terminologia de Roman Jakobson, pelos elementos que configuram uma poesia da gramática” (pág. 31).
(22) “O assunto de uma obra de poesia – diz ele – não pode ser julgado por suas relações com a realidade extralinguística entrando na obra; é antes um componente do aspecto semântico da obra (…)” Mukarovsky, em “Standard Language and Poetic Language”, em Linguistics and Literary Style, editado por Donald C. Freeman, New York, Holt, Rinehart and Winston, (1970), p. 47, apud. BARBOSA (pág. 31).
(23) Aqui, pontua-se a necessidade da diferenciação entre linguagem poética e linguagem-padrão realizada por Mukarovsky em “Standard Language and Poetic Language”, abordando a ideia de função poética.
(24) Pág. 32.
(25) Pág. 35.
(26) Citação oriunda da tradução francesa do ensaio de Roman Jakobson, “Linguistics and Poetics” (1933), encontrado em “Poétique 7” (1971), de Marguerite Derrida, pp. 307-308, apud. BARBOSA (pág. 26). E prossegue: “esta antinomia é inevitável, pois sem contradição não há jogo de conceitos, não há jogo de signos, a relação entre conceito e o signo torna-se automática, o curso dos acontecimentos estanca, a consciência da realidade morre” apud. BARBOSA (pág 36).
(27) E prossegue: “Assim sendo, a função poética, isto é, aquela em que a comunicação é orientada para a própria mensagem, para que possa atuar na definição estrutural de um poema, deve ser estabelecida levando-se em conta a relação entre ela e as outras funções predominantes no processo de comunicação verbal” (pág. 37).
(28) Pág. 38.
(29)  Antes: “o poema passa a ser o significante de um outro significante que ele elabora de modo ininterrupto na perspectiva de uma articulação significação-significado” (pág. 39).
(30) E prossegue: “Ao discutir, utilizando, o código de que se utiliza, o poeta inverte os termos do jogo da representação ingenuamente realista e abre um espaço para a realidade mais complexa que envolve tanto indivíduo quanto história, presente e passado, poema e linguagem” (pág. 38).
(31) Acerca da ideia de “impureza”, consultar a Nota 20 deste fichamento.


1.3) Metalinguagem, Abertura e Contexto

– A ideia de obra aberta já apareceu em Umberto Eco, “forma e indeterminação na arte contemporânea”, em reflexão sobre a ambiguidade, ao defender que todo signo estético possui como característica algum grau de abertura, em um movimento entre o caos e a ordem que permite o conceito de estrutura estética. Desde então, é possível pensar na ambiguidade do signo literário em relação aos demais signos estéticos, como a Pintura, Música ou Cinema, por exemplo;
– Como vincular metalinguagem, abertura e contexto? Como compreender os significados mais amplos das criações de nosso tempo, bem como obter indicações acerca de como o artista se relaciona com a linguagem e com a sociedade ao seu redor? Como correlacionar o caráter auto-referencial do poema moderno e a abertura na arte contemporânea? De que forma essas características correspondem ao desígnio de escrever sobre uma certa realidade, em um certo momento cultural?
– Cuidado: quando fala-se em “escrever sobre uma certa realidade”, trata-se, na verdade, de um movimento que aponta para uma crise de representação da realidade, na qual o poema “arma a sua rede de respostas à realidade” (32) através da negação;
– Para abordar a crise, utiliza-se, imediatamente, da linguagem que lhe dá existência. Assim, colocam-se contextos em suspeita, e uma nova e peculiar forma de compreender o real é apresentada. O poema moderno possui uma atitude de destruição perante a linguagem de representação da realidade;
– O objetivo é buscado no trivial e baixo, isto é, em assuntos sem importância, como cestas de frutas, mesas de jantar, idas ao parque sem grandes ocorrências, passeios, etc. O que importa não é o assunto, mas pôr à prova as possibilidades estilísticas, entendendo que a obra é um organismo autônomo, que acontece dentro de sua própria forma, e não em uma realidade exterior;
– O conceito utilizado para abordar tal fenômeno não é o de desvalorização da realidade, mas sim o de fragmentação;
– Para entender como se coloca em xeque o instrumento de representação, deve-se olhar para a relação entre o escritor e a sociedade. “… o processo de criação poética passa a ser a mediação pela qual o poeta procura estabelecer um contato, para sempre em vias de se perder, com o público” (33);
– A partir da metade do século XIX, o poeta lírico deixou de representar o poeta per se, passando a representar apenas um gênero. Além disso, não havia grande sucesso em uma escala de massa na poesia lírica. Assim, o resultado foi um público mais frio mesmo diante de sua própria herança cultural;
– O processo de dessacralização é essencial na arte moderna, com a destruição da aura das criações, inclusive através da transformação dos modos de reprodução da civilização industrial;
– Temos Brecht e Artaud, nos quais o que é fragmentário claramente varia, porém, em ambos há uma resposta “a novos modos de apreensão, através do discurso estético, de uma realidade que é percebida e veiculada fragmentariamente. (…) ressalta a não-aceitação da aparência em termos realistas” (34);
– “O fragmentário, em qualquer caso, está precisamente em que a realidade é alvejada por uma permanente busca de totalização – que está sempre para além da obra particular realizada. Mas, ao mesmo tempo, como que repetindo o dualismo baudelairiano, é a consciência da linguagem específica, uma forma de autoconsciência devoradora e mutiladora, que impede a realização” (35). Não é que a obra moderna “apenas não é dada, (…) ela jamais o é” (36), pensada através do conceito de intencionalidade husserliano;
– Os elementos para decifração da obra devem ser repensados pela linguagem que os constitui. Problematiza-se a realidade, necessariamente, através da problematização da própria linguagem que se utiliza para dizer da crise que a arte suporta;
– A metalinguagem se incrusta na obra contemporânea, revelando as “coordenadas da crise de representação em que se encontra” (37).

Notas:

(32) Pág. 41.
(33) Pág. 43.
(34) Pág. 45.
(35) Ibidem.
(36) Ibidem.
(37) Ibidem.

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