Carta Anônima #02
Naquela noite… houve um instante em que tudo parou.
E por dentro, um oceano.
Nem sei ao certo o que aquilo dizia — mas ficou.
Ecoou em mim, como quem tenta traduzir uma língua antiga que só um coração que vive de memórias entende.
Talvez tenha sido só uma melodia. Talvez não.
Eu ouvi cada verso tentando decifrar o que havia ali.
Fiquei com o coração e a mente em ondas leves, mas maré alta.
Mas confesso, me perdi um pouco nessa maré.
Talvez nem fosse uma mensagem. Talvez fosse só um gesto bonito.
Sentimentos silenciados pelos caminhos da vida.
Com a atenção de quem busca um mapa em meio à névoa e às memórias.
De sentimentos que aquele simples toque musical despertou — que também relembrou um mundo de afeto.
E não só romântico, mas honesto e sincero, irmandade, como uma amizade fiel sustenta.
Anônimo para quem me lê, mas pra quem escreve, querendo entender se há interesse, ou é apenas um eco, ou se é a continuação.
Mas também entendendo, com serenidade, que há beleza nas pausas, e maturidade em respeitar os receios que a vida constrói.
Ainda assim, entre essas ondas, nasce também um pequeno deserto:
deixar de construir um “continuar” por medo.
O receio que nos protege — mas também nos impede de tocar o leve, o bonito, o verdadeiro, o afeto antigo e retratado.
Em meio a maré, busco por honestidade — e também por delicadeza: a de manter o que é mais valioso.
Porque, talvez, o que realmente importa não é o que poderia ter sido, mas o que foi e permanece: a amizade que resistiu ao tempo, as memórias boas que carregamos.
O carinho que sobreviveu às mudanças, ao afastamento, mas também, a ternura que não cobra, apenas acolhe.
Talvez aquele instante tenha sido só um vislumbre, uma beleza fugaz que a vida ofereceu
Para que a gente pudesse se perder um pouco nas memórias e na ingenuidade – criança interior
Para que o mistério nos encontrasse no meio da rotina – agora de adulto
Entre a espuma das ondas desse oceano, há um sussurro que se repete como uma prece silenciosa,
uma metáfora fingida, em palavras que entrego:
(…)
Dava pra ver o tempo ruir
Cadê você? Que solidão
Esquecera… de mim?
Amar é um deserto e seus temores
Vida que vai na sela dessas dores
Não sabe voltar, me dá teu calor (…)
A mensagem vem sem exigência, mas pede por honestidade – e é apenas um convite que viaja no temor, mas principalmente no afeto, no vento de mais de décadas
Esperando que você o escute, mesmo quando eu não digo. E se digo, a intenção é genuína.
E mesmo que nada me diga, o que fica — o que verdadeiramente fica —
é o bem-querer sereno,
a presença sutil que atravessou o tempo,
a certeza de que alguns vínculos não pedem tradução,
apenas cuidado
apenas reencontros.