A expressão social dos filmes documentais no cinema mudo brasileiro (1898-1930) - Paulo Emilio Salles Gomes
Fichamento de Bruno Alcantara
Última atualização: 20/09/2024
O texto “A expressão social dos filmes documentais no cinema mudo brasileiro (1898-1930)”, de Paulo Emilio Salles Gomes, não está subdividido em partes. O texto poderia ser dividido em cinco partes. Seriam elas: 1) Quadro geral da pesquisa sobre o filme documental brasileiro mudo; 2) A gênese do filme documental mudo no Brasil; 3) O filme documental mudo brasileiro a partir de 1907; 4) Um fato novo para os filmes documentais e a reação da opinião; 5) Horizonte da pesquisa sobre o filme documental brasileiro mudo produzido entre 1898 e 1930.
Quadro geral da pesquisa sobre o filme documental brasileiro mudo
Publicado em 1977, o texto começa com a afirmação de que não se conhece o filme brasileiro, visto que, inobstante a pesquisa acerca do nosso filme de enredo ter progredido, o que se tem sobre o filme documental brasileiro ainda é muito incipiente.
O livro de Vicente de Paula Araújo, “A Bela época do cinema brasileiro (1896-1912)”, é mencionado como a primeira “aproximação consistente” ao cinema primitivo brasileiro. O autor ressalva que esse livro se limita a levar em conta, principalmente, os filmes produzidos no Rio de Janeiro, ainda que já pudesse ser encontrada produção documental em outros locais do país.
Paulo Emilio compartilha a sua sensação de “vazio total” a respeito do estado da pesquisa acerca dos filmes produzidos entre 1914 e 1922, afirmando que se sabe apenas que a continuidade do nosso cinema, durante o período, foi dada pelo filme documental, sendo raras as produções dos filmes de enredo.
Conforme se extrai do texto, a respeito dos filmes a partir do ano de 1922 até a “Revolução de 30”, se têm muito mais a que consultar. Porém, as informações disponíveis são, em sua maioria, subproduto das pesquisas sobre os filmes de enredo da época e, portanto, não tão satisfatórias.
É considerando este cenário que o autor vai sugerir a importância do filme documental brasileiro mudo (compreendido entre os anos de 1898 e 1930) como registro sócio-cultural e matéria-prima para eventuais interpretações.
A gênese do filme documental mudo no Brasil
De acordo com o texto, desde as primeiras filmagens em 1898, no Brasil, duas temáticas se destacaram no filme documental: a) o Berço Esplêndido; e b) o Ritual do Poder.
No que diz respeito à temática do Berço Esplêndido, o autor do texto sugere que eram exibidas filmagens da “beleza natural” do Rio de Janeiro, notadamente, da “moldura pão-de-açúcar-corcovado-tijuca”, como um “mecanismo psicológico coletivo” que servia de compensação para o nosso atraso como nação.
Aos poucos, as câmeras foram se virando para a beleza de rios e cascatas no interior do Brasil. O autor cita os títulos “Visita ao Brasil” e “Brasil Selvagem” como “fitas de metragem mais ambiciosa” que, inauguralmente, traziam “índios ainda numa relativa tranquilidade”. Filmou-se, no mesmo período, sob a orientação de Roquette Pinto, “índios” defrontando-se com as “caravanas de Rondon”.
Acerca da temática do Ritual do Poder, aponta-se que todos os presidentes da Primeira República foram capturados pelas lentes “presidindo, visitando, recebendo”. Eram também filmados “inaugurando” estátuas de militares, ou exibindo suas máquinas de guerra, por exemplo, em paradas militares como a do 7 de setembro. Funerais foram “abundantemente registrados”.
Apenas ocasionalmente as personalidades do tempo eram filmadas fora do Ritual do Poder, por exemplo, “nos meetings tradicionais do Largo São Francisco”, conferências ou concentrações, isto é, em rituais de natureza popular.
O filme documental mudo brasileiro a partir de 1907
A partir de 1907, com a expansão do comércio cinematográfico assegurada pela produção industrial de eletricidade, segundo o texto, “ano após ano a vida da cidade foi fartamente registrada”. Cada carnaval passou a ser documentado em filme, desde os “seus aspectos populares e mundanos” até “novas danças, como o maxixe” e a “moda feminina”.
Foram registrados, entre outros “assuntos de maior ou menor ressonância pública”, anomalias em crianças recém-nascidas, os primeiros automóveis, o processo de cultivo, colheita, preparação e embarque do café, a Estrada de Ferro Central do Brasil, “a rebelião de marinheiros da esquadra contra o uso da chibata” e julgamentos de “grandes criminosos”.
Algumas das imagens eram ainda reaproveitadas para os jornais e filmes de ficção. O autor menciona que o filme de enredo “frequentemente emanava da vida da cidade de uma forma quase tão direta quanto o documental”.
Outro gênero do filme documental foi o de “filmagens bastante ocasionais”, com pessoas “conversando nos cafés”, “olhando o mar da amurada do Passeio Público” ou “lendo o jornal”. Cronistas comentavam esse cinema “sem assunto (…) também sem muito assunto”.
O autor do texto conta que cinegrafistas eram recebidos com resistência por parte de “malandros, capoeiras (…) nas imediações da rua Visconde de Itaúna” que julgavam a atividade “tratar-se de um trabalho policial de identificação”.
Paulo Emilio caracteriza como “uma evolução técnica preguiçosa” o período que se deu após os primeiros 15 anos do documental brasileiro, elencando apenas “as revoluções a partir de 1922” como “um tema novo”.
Um fato novo para os filmes documentais e a reação da opinião
A partir das produções Brasil adentro de cinegrafistas-viajantes (em sua maioria do Rio de Janeiro e de São Paulo), “na maior inocência e sem a menor intenção polêmica”, cria-se um fato novo: “o homem que habita o Brasil”.
A “principal publicação especializada da época”, a revista Cinearte, segundo o texto, demonstrava preocupação com o prejuízo que as filmagens documentais com a temática do homem brasileiro causariam à “imagem do Brasil” pelo mundo.
Os críticos temiam que o filme documental mostrasse aos estrangeiros, nas suas palavras: o “sertão e a população deste ainda inferior”; “mato, índios nus, macacos e etc.”; “índios, caboclos, negros, bichos”; “um bando de cangaceiros”; ou “um mestiço vendendo garapa em um purungo”; ou, ainda, “um bando de negrotes se banhando num rio”. Segundo se apresenta, os mesmos cronistas chegavam a defender a importância de convencer os americanos “de “que os habitantes do Brasil não são pretos, e a nossa civilização, afinal de contas, é igualzinha à deles…””.
A pesquisa procedida indica que outras vozes também podiam ser encontradas na imprensa carioca, como a dos articulistas liberais, que tendiam a ver os filmes como “uma verdade a ser meditada”. Tem destaque também a visão angustiada do conservador Oliveira Viana, que questiona a opinião e o Poder Público sobre o que pode ser feito a respeito da miséria que os filmes revelam. Por fim, Mario Behring, diretor contrariado pelos redatores da Cinearte por favorecer o documental, aparece dizendo ser a função do cinema, em suas palavras, “levar a civilização para o interior do Brasil”.
Para Paulo Emilio, “a missão do documental foi outra: levar para o litoral a visão do atraso insuportável do interior”.
Horizonte da pesquisa sobre o filme documental brasileiro mudo produzido entre 1898 e 1930
O autor remonta à fala de Figueiredo Pimentel, que, em 1909, previu erroneamente a perpetuação do que chamou de “fatos sensacionais (…), as grandes solenidades” através das fitas cinematográficas. Na realidade, os filmes não foram conservados.
Segundo consta, Roquette Pinto teve uma tentativa, “poucos anos depois”, de reunir os metros e metros de filme no que seria uma futura cinemateca. Paulo Emilio relata ter encontrado “o que restava desses filmes” em 1956, em uma sala úmida na Quinta da Boa Vista, apodrecido.
O autor conclui que hoje existe somente uma “parcela mínima” dos filmes documentais produzidos entre 1898 e 1930 para o estudioso consultar, justo por conta do mau estado de conservação das fitas, mas que, agindo o quanto antes, ainda pode ser possível recuperar “muita coisa”.