06.05.2020

meus pensamentos estavam alheios à minha consciência, perdendo-se facilmente uns dos outros. não era a eles que eu direcionava a minha presença, mas a um desejo naturalmente fantasioso: voltar no tempo para recuperar o que era fruto de outrora.

através de passagens secretas, mediadas por desvios transitórios, tiro conclusões das ausências mais satisfatórias disponíveis. ocupo-me de falsas afirmações em absurdos formatos para preencher o meu consequente vazio.

repito ciclos de inícios arbitrários.

antes que eu me contivesse, me imaginei novamente naquele espaço de tranquilidade e paz verde múltiplo e azul-celeste. em verdade, queria sentir de novo tudo o que senti enquanto estava lá, como se eu quisesse voltar para um sonho do qual eu já acordei – minha imaginação e seus rodeios.

fui imaginando toda aquela paisagem e, aos poucos, ia me recordando de como era o lugar. imaginava a grama brilhante, o campo aberto bem no centro da minha visão e sentia a terra que o suportava; a floresta, ao lado, mantinha-se respeitosamente ancestral e cerceava a abertura do solo para o sol de meio dia; o céu desanuviado; o declive logo à minha frente. algo sempre novo me levava adiante.

as meninas lá estavam, em suas caminhadinhas regulares e curiosamente bem orquestrada. via-as de longe.

como se em um sonho, não condizia tudo muito bem com o que eu tirava daquilo. salteava entre visões.

minha visão parecia enturgecer. o verde, azul, garotas e tudo me pareciam um cinza só. 

de um instante para o outro, sem intermédio, contemplei o dia virar noite. olhei para o gramado aos meus pés e todas as meninas haviam parado de caminhar. eu não sentia a mesma coisa que antes. notava que elas tinham um aspecto frio. todo o campo havia se transformado em um cenário gélido e inóspito.

meu corpo estava rígido, e eu me agarrava a toda aquela ideia, ainda, como se meus olhos estivessem arregalados e minha testa franzida. como se preso e arremessado à cadeira de uma sala de cinema, imobilizado e plenamente tomado, eu quase previa o que estava prestes a acontecer.

numa sincronia estranha e inesperada, todas elas sacaram afiadas tesouras dos seus macios aventais e começaram a se automutilar furiosamente com golpes intensos e descontrolados na barriga.

fugi imediatamente daquela onda auto fabricada. o sonho se tornara pesadelo.

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