05.05.2020
hoje é dia mundial da cultura lusófona; dia mundial da língua portuguesa e tal.
quando penso em brasil, é inevitável a questão colonial. saque após saque, violação após violação, tortura após tortura, resta-nos só o que é mais fundamental: a humilhação e a morte, ou a adoção do modo de vida do invasor.
pois, pensar adiante é compreender o ontem e o hoje; somos os processos históricos em que estamos envolvidos – não há presente sem passado; nem futuro sem presente. como está em “ensaio sobre a cegueira”, de saramago: “para poder chegar aonde se quer, tudo depende de onde se esteja”.
o resultado do passado e do presente tornou-nos íntimos do explorador; temo-os no sangue e na memória. em seu seio bebemos da nossa glória e em seus ombros amarguramos nossos dissabores. nosso valor é o seu. somos a lança que fura e a carne que resiste.
se pretendemos dar-nos um novo papel, cabe a nós – e a mais ninguém.
a nossa maior revolta é nos tornarmos nós mesmos.
afinal, queremos ser os próprios agentes de nossa história. então olhamos para o nosso passado, declaramo-lo a brasa de nosso fogo, e rumamos em frente sem jamais olhar para trás.
a ideia de um brasil autor de si vai na contramão das premissas mais básicas da realidade que abraçamos hoje – seja nas casas e nos condomínios ou nos bairros, cidades e países.
mas há ainda algo que tem prevalecido: ideologia.
encontramo-nos na era da propaganda global. com os smartphones, os veículos de comunicação em massa nunca fizeram tanta parte das nossas vidas como hoje. e os ansiosos pelo domínio estão armados como nunca, com braços que nos alcançam de formas jamais vistas.
algoritmos disseminam com precisão as informações que já estamos destinados a receber; regras construídas para nos subjugar ditam o que é normal e o que é insubstituível.
bem dizer, estamos sempre bem instruídos para reproduzir o ambiente de alienação e domínio no qual estamos inseridos. nossos atos são irrefletidos e óbvios. somos empurrados para sermos todos iguais: todos reproduzindo a máquina do sucesso e do poder.
caso desviemos o caminho, os próprios colegas cidadãos, amassados pelo colonizador, e embebidos em sua propaganda e ideologia – estonteados pelo absoluto domínio da cadeia de produção da relação produto e desejo – tratam de silenciar-nos. familiares, amigos, conhecidos, todos.
…
é bem verdade, nossos campos, florestas, pântanos, praias e rios são absolutamente ricos e belos. em uma outra dimensão, vejo um brasil feliz.
cercado do que se costuma chamar civilização, onde toda a riqueza e a abundância serve a si mesmo, há um que sobrevive espontâneo ao massacre ideológico e colonizador; que olha para si e se entende; que se encontra em lugar de afirmar: esse sou eu! e que, então, vai atrás do que lhe cabe.
nos vejo, contudo, em direção ao fim dos povos, onde tudo será só o mesmo.
e me questiono sobre o papel de nossa resistência, pois eu quero gritar com orgulho todas as minhas derrotas e, então, demonstrar o porquê do meu sentido: saltar do passado para instaurar o meu futuro.
…
o caminho da minha virtude se encontra comigo na dança de algum agora.
foi assim que eu vim a crer que a virtude de cada um advém daquilo que o faz de fato estar vivo, ou seja, experienciando o novo, em busca do que virá. ou melhor, partindo de onde se está, mirando ao desconhecido do depois.
eu acabo achando, disso tudo, como é sutil a questão da resistência, porque acaba sendo mais fácil mandar o dia da língua portuguesa para o inferno, com a cultura lusófona.
olho para dentro e faço uma pergunta: o que estou comendo?
…
comumente me sinto em busca de purificação. não posso enfrentar minha culpa e reparo meus pecados no oculto.
separo-me do que sinto, por um instante, e percebo que não sou a sensação; mas observo-a. afasto-me do que a causa e me torno aleatório; fico a flutuar pela minha própria existência. então, encaro o que emerge em mim – calado e sem reação – até que se dissipe novamente tudo.
imagino a superfície da minha mente como a tênue camada superficial da água, fina e delicada, onde qualquer distúrbio a faz perder a continuidade e tudo virar o mesmo.
ao me misturar ao caos, em silêncio, sorrateiramente derramo-me em meu interior; e vibro.
com atenção, transformo as ondas inconstantes e inconscientes, que me tomam e me arremessam em um vendaval silencioso, em repetições harmônicas e ritmadas. pouco a pouco, devolvem o meu chão e a superfície laminada da água, e assim posso ver através de mim mesmo, largo de irrefletida permanência.
a banalidade da minha vida é o meu desaparecimento.
qualquer intervenção é incapaz de silenciar-me – é só pano pra manga.
entretenho-me irresponsavelmente – permaneço dividido; antecipo-me. até que eu permita tudo ressoar até o seu fim inevitável – e eu esteja em meu mundo. não controlo-o, idealmente; entrego-me de uma forma muito específica. sublinho em mim aquilo que sinto apodrecendo e convoco toda a minha dor para a periferia do meu corpo.
sei que há lama em minhas entranhas, mas há uma fonte de água quente que corre desde o topo da minha cabeça, lavando-me. é verdade, há lama demais, e ainda não me vejo translúcido.
estou um pouco mais leve do que ontem: não deixo o que é meu pelo caminho, mas livro-me de tudo aquilo que jamais fora meu.